terça-feira, 28 de maio de 2013

DICAS do Enem 2013

Na data da prova:
Os portões de acesso abrem às 12h e fecham às 13h. Recomenda-se que todos os participantes cheguem ao local de prova até as 12h (horário oficial de Brasília), visto que será estritamente proibida a entrada após o fechamento dos portões.
Como são as provas
O Enem é composto por quatro provas objetivas com 45 questões cada e uma redação.
Confira os dias da prova:
26 de outubro de 2013 (1º dia):
- Ciências Humanas e suas Tecnologias e;
- Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
Tempo para a prova: 4h30
27 de outubro de 2013 (2º dia):
- Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Redação e;
- Matemática e suas Tecnologias.
Tempo para a prova: 5h30
Cartão de confirmação

O Cartão de Confirmação da Inscrição será enviado, por via postal, para o endereço informado pelo participante no ato da inscrição.

No Cartão de Confirmação da Inscrição estão contidas as seguintes informações:
- número de inscrição;
- data; hora; local de realização das provas;
- indicação do(s) atendimento(s) diferenciado(s) e/ou do atendimento(s) específico(s), se for o caso;
- opção de língua estrangeira; e
- solicitação de certificação, se for o caso.

O participante pode consultar ou imprimir o seu Cartão de Confirmação de Inscrição na página do Inep (endereço eletrônico http://sistemasenem2.inep.gov.br/localdeprova), informando seu CPF e senha.

IMPORTANTE!
- Verificar com antecedência, na página de acompanhamento do Enem, a validação da inscrição e o local de realização das provas.

- Fazer o trajeto até o local de prova antes da data do Exame.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Valor do Livro - Segundo Borges

Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso, sem dúvida, é o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões de sua vista; o telefone é extensão da voz; depois temos o arado e a espada, extensões de seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.

Em César e Cleópatra, de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso, e é também outra coisa: a imaginação. Pois o que é nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Essa é a função realizada pelo livro.

Já me ocorreu escrever uma história do livro. Não do ponto de vista físico. Não estou interessado nos livros fisicamente (sobretudo nos livros dos bibliófilos, que costumam ser desmesurados), mas nas diversas valorações que o livro já recebeu. Fui antecipado por Spengler, em seu Decadência do Ocidente, em que há páginas belíssimas sobre o livro. Acrescentando algumas observações pessoais, pretendo ater-me ao que diz Spengler.

Os antigos não professavam nosso culto ao livro — fato que me surpreende; eles viam no livro um sucedâneo da palavra oral. Aquela frase que sempre se cita: Scripta manent, verba volant, não significa que a palavra oral seja efêmera, e sim que a palavra escrita é uma coisa duradoura e morta. Em compensação, a palavra oral tem um elemento alado, leve; alado e sagrado, como disse Platão. Todos os grandes mestres da humanidade foram, curiosamente, mestres orais.

Consideremos o primeiro caso: Pitágoras. Sabemos que Pitágoras optou por não escrever. Não escreveu porque não quis se prender a uma palavra escrita. Sentiu, sem dúvida, aquela história de que a letra mata e o espírito vivifica, que depois estaria na Bíblia. Deve ter sentido isso, não quis se prender a uma palavra escrita; por isso Aristóteles nunca fala de Pitágoras, e sim dos pitagóricos. Diz-nos, por exemplo, que os pitagóricos professavam a crença, o dogma, do eterno retorno, que Nietzsche descobriria muito tardiamente. Ou seja, a ideia do tempo cíclico, que foi refutada por Santo Agostinho em A cidade de Deus. Santo Agostinho diz com uma bela metáfora que a cruz de Cristo nos salva do labirinto circular dos estoicos. A ideia de um tempo cíclico também foi aflorada por Hume, por Blanqui… e por tantos outros.

Pitágoras voluntariamente não escreveu, queria que seu pensamento vivesse além de sua morte física, na mente de seus discípulos. Aqui entrou aquela história do (não sei grego, por isso vou dizer em latim) Magister dixit (o mestre disse). Isso não significa que os discípulos estivessem atrelados ao que o mestre havia dito; ao contrário, afirma sua liberdade ao levar adiante o pensamento inicial do mestre.

Não sabemos se foi ele quem iniciou a doutrina do tempo cíclico, mas sabemos que seus discípulos a professavam. Pitágoras morre fisicamente e eles, por uma espécie de transmigração — Pitágoras teria gostado disso —, continuam pensando e repensando o pensamento dele, e, quando criticados por estarem dizendo algo novo, refugiam-se naquela fórmula: o mestre disse (Magister dixit).

Mas temos outros exemplos. Temos o alto exemplo de Platão, quando diz que os livros são como efígies (talvez pensasse em esculturas ou quadros), que dão a impressão de estar vivas, mas que não respondem quando alguém lhes pergunta alguma coisa. Então, para corrigir essa mudez dos livros, ele inventa o diálogo platônico.Ou seja, Platão se multiplica em muitos personagens: Sócrates, Górgias e os outros. Também podemos imaginar que Platão quisesse consolar-se da morte de Sócrates pensando que Sócrates continuava vivo. Diante de todo e qualquer problema, ele se perguntava: o que Sócrates teria dito a esse respeito? Assim, de certo modo ele foi a imortalidade de Sócrates, que não deixou nada escrito, e ao mesmo tempo foi um mestre oral.

De Cristo, sabemos que escreveu uma única vez algumas palavras que a areia se encarregou de apagar. Que se saiba, nada mais escreveu. Buda também foi um mestre oral; ficaram seus sermões. Em seguida, temos uma frase de Santo Anselmo: “Pôr um livro nas mãos de um ignorante é tão perigoso quanto pôr uma espada nas mãos de uma criança”. Era o que se pensava dos livros. Em todo o Oriente existe ainda o conceito de que um livro não deve revelar as coisas; um livro deve, simplesmente, ajudar-nos a descobri-las. Embora eu não saiba hebraico, estudei um pouco a Cabala e li as versões inglesas e alemãs do Zohar (O livro do esplendor), do Sefer Yetsirah (O livro das relações). Sei que esses livros não foram escritos para ser entendidos, mas para ser interpretados, são estímulos para que o leitor acompanhe o pensamento. A Antiguidade clássica não professou nosso respeito pelo livro, embora saibamos que Alexandre da Macedônia guardava a Ilíada e a espada, essas duas armas, debaixo do travesseiro. Havia grande respeito por Homero, mas ele não era considerado um escritor sagrado no sentido que hoje atribuímos à palavra. Não se achava que a Ilíada e a Odisseia fossem textos sagrados: eram livros respeitados,mas também podiam ser atacados.

Platão teve condições de mandar os poetas de sua República para o exílio sem cair na suspeita de heresia. A esses testemunhos dos antigos contra o livro podemos acrescentar um muito curioso de Sêneca. Em suas admiráveis epístolas a Lucílio há uma que se volta contra um indivíduo muito vaidoso, a respeito de quem se dizia que possuía uma biblioteca de cem tomos; e quem — pergunta-se Sêneca — vai ter tempo de ler cem tomos? Hoje em dia, porém, as bibliotecas numerosas são apreciadas.

Na Antiguidade há uma coisa que temos dificuldade para entender, algo que não tem nada a ver com nosso culto ao livro. Sempre se vê no livro um sucedâneo da palavra oral, mas depois chega do Oriente um conceito novo, totalmente estranho à Antiguidade clássica: o do livro sagrado. Tomemos dois exemplos, começando pelo mais recuado: o dos muçulmanos. Para eles, o Corão é anterior à criação, anterior à língua árabe; é um dos atributos de Deus, não uma obra de Deus; é como sua misericórdia ou sua justiça. No Corão fala-se de forma bastante misteriosa da mãe do livro. A mãe do livro é um exemplar do Corão escrito no céu. Viria a ser o arquétipo platônico do Corão, e esse mesmo livro — afirma o Corão —, esse livro está escrito no céu, que é atributo de Deus e anterior à criação. É o que proclamam os ulemás, ou doutores muçulmanos.

Depois temos outros exemplos mais próximos de nós: a Bíblia ou, mais concretamente, a Torá ou o Pentateuco. Considera-se que esses dois livros foram ditados pelo Espírito Santo. Este é um fato curioso: a atribuição de livros de diferentes autores e idades a um único espírito; mas na própria Bíblia se afirma que o Espírito sopra onde quer. Os hebreus tiveram a ideia de reunir diversas obras
literárias de diferentes épocas e de formar com elas um único livro, cujo título é Torá (“Bíblia” é grego). Todos esses livros são atribuídos a um único autor: o Espírito.

Uma vez perguntaram a Bernard Shaw se ele acreditava que o Espírito Santo havia escrito a Bíblia. Ele respondeu: “Todo livro que vale a pena reler foi escrito pelo Espírito”. Ou seja, um livro tem de ir além da intenção de seu autor. A intenção do autor é uma pobre coisa humana, falível, mas no livro tem de haver mais. O Quixote, por exemplo, é mais que uma sátira dos livros de cavalaria. É um texto absoluto no qual não intervém absolutamente, de nenhuma maneira, o acaso.

Pensemos nas consequências dessa ideia. Por exemplo, quando digo:

Correntes águas, puras, cristalinas,
árvores que nelas vos contemplais,
verde prado, de fresca sombra cheio

é evidente que os três versos contam dez sílabas. O autor quis assim, é voluntário.

Mas o que é isso em comparação com uma obra escrita pelo Espírito, o que é isso em comparação com o conceito da Divindade que condescende à literatura e dita um livro? Num livro como esse nada pode ser casual, tudo precisa ter justificativa, as letras precisam ter justificativa. Entende-se, por exemplo, que o início da Bíblia: Bereshit baraelohim comece com um B porque isso está relacionado a benzer. Trata-se de um livro em que nada é casual, absolutamente nada. Isso nos conduz à Cabala, nos conduz ao estudo das letras, a um livro sagrado ditado pela Divindade e que vem a ser o oposto do que os antigos pensavam. Eles pensavam na musa de modo bastante vago.

“Canta, musa, a cólera de Aquiles”, diz Homero no início da Ilíada. Lá, musa se relaciona à inspiração. Quando se pensa no Espírito, porém, pensa-se em algo mais concreto e mais forte: Deus, que condescende à literatura. Deus, que escreve um livro; nesse livro nada é casual: nem o número de letras, nem a quantidade de sílabas de cada versículo, nem o fato de que é possível fazer jogos de
palavras com as letras, de que é possível calcular o valor numérico das letras. Tudo já foi considerado.

O segundo grande conceito do livro — repito — é o fato de ele poder ser uma obra divina. Talvez isso esteja mais próximo daquilo que sentimos hoje do que da ideia que os antigos faziam do livro: ou seja, de que o livro seria um mero sucedâneo da palavra oral. Depois a crença num livro sagrado declina, substituída por outras crenças. Por exemplo pela crença de que cada país é representado por
um livro. Lembremos que os muçulmanos chamam os israelitas de o povo do livro; lembremos a frase de Heinrich Heine sobre a nação cuja pátria era um livro: a Bíblia, os judeus. Temos então um novo conceito, o de que cada país precisa ser representado por um livro; em todo caso, por um autor que pode ser autor de muitos livros.

É curioso — não creio que isso tenha sido observado até agora — que os países tenham escolhido indivíduos que não se parecem muito com eles. Seria o caso de imaginar, por exemplo, que a Inglaterra escolheria o dr. Johnson como seu representante; mas não, a Inglaterra escolheu Shakespeare, e Shakespeare é — por assim dizer — o menos inglês dos escritores ingleses. O típico da Inglaterra é o understatement, é o fato de dizer um pouco menos das coisas. Shakespeare, porém, tendia à hipérbole
na metáfora, e se ele tivesse sido italiano ou judeu, por exemplo, não haveria nada de surpreendente.

Outro caso é o da Alemanha; um país admirável, tão facilmente fanático, e que escolhe justamente um homem tolerante, que não é fanático e que não está muito preocupado com o conceito de pátria; escolhe Goethe. A Alemanha é representada por Goethe.

A França não escolheu um autor, mas a tendência é Hugo. Evidentemente, sinto uma grande admiração por Hugo, mas Hugo não é tipicamente francês, Hugo é estrangeiro na França; Hugo, com aquelas grandes decorações, com aquelas vastas metáforas, não é típico da França.

Outro caso ainda mais curioso é o da Espanha. A Espanha poderia ter sido representada por Lope, por Calderón, por Quevedo. Mas não, a Espanha é representada por Miguel de Cervantes. Cervantes é um homem contemporâneo da Inquisição, mas é tolerante, é um homem que não tem nem as virtudes nem os vícios espanhóis.

É como se cada país achasse que precisa ser representando por uma pessoa diferente, por uma pessoa que possa ser, um pouco, uma espécie de remédio, uma espécie de teriaga, uma espécie de antídoto para seus defeitos. Nós teríamos podido escolher o Facundo, de Sarmiento, que é nosso livro, mas não; nós, com nossa história militar, com nossa história de espada, escolhemos como livro a crônica de um desertor, escolhemos o Martín Fierro, que, embora mereça ser escolhido como livro… O que pensar do fato de que nossa história está representada por um desertor da conquista do deserto? E contudo é assim; como se cada país sentisse essa necessidade.

Sobre o livro, muitos escritores escreveram brilhantemente. Quero mencionar alguns deles. Em primeiro lugar, mencionarei Montaigne, que dedica um de seus ensaios ao livro. Nesse ensaio há uma frase memorável: “Não faço nada sem alegria”. Montaigne afirma que o conceito de leitura obrigatória é um falso conceito. Diz que, quando encontra uma passagem difícil num livro, deixa-o de lado; porque vê na leitura uma forma de felicidade.

Lembro-me de que há muitos anos realizou-se uma pesquisa de opinião sobre o que seria a pintura. Perguntaram isso a minha irmã Norah e ela respondeu que a pintura é a arte de dar alegria com formas e cores. Eu diria que a literatura também é uma forma da alegria. Se lemos alguma coisa com dificuldade, é que o autor fracassou. Por isso considero que um autor como Joyce essencialmente fracassou, porque sua obra exige um esforço.

"BORGES ORAL & SETE NOITES"

Autor: 
Jorge Luis Borges
Editora: 
Companhia das Letras
Tradutor: 
Heloisa Jahn
Páginas: 
216
Preço: 
R$ 42


sábado, 25 de junho de 2011

Análise da obra DOM CASMURRO - Machado de Assis


 

INTRODUÇÃO


Maior escritor brasileiro de todos os tempos, Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) era um mestiço de origem humílima, filho de um mulato e de uma lavadeira portuguesa dos Açores. Moleque de morro, magro, franzino e doentio, o maior escritor brasileiro se fez sozinho, adquirindo a sua vasta e espantosa cultura de forma inteiramente autoditada.

Ao estudar a obra de Machado de Assis, a crítica divide-a em duas fases bem distintas cujo marco deliminatório é o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas publicado em 1881. Até essa data, a obra machadiana é marcante romântica, e nela sobressai poesia, conto e romances como Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). Tais obras pertencem, pois, à chamada primeira fase.

A partir de 1881, com a publicação das Memórias, Machado de Assis muda de tal forma que Lúcia Miguel Pereira, biógrafa e estudiosa do escritor, chega a afirmar que "tal obra não poderia ter saído de tal homem", pois, "Machado de Assis liberou o demônio interior e começa uma nova aventura": a análise de caracteres, numa verdadeira dissecação da alma humana. É a Segunda fase, fase perpassada dos ingredientes do estilo realista.

Além de contos, poesia, teatro e crítica, integram essa fase os romances seguintes, entre os quais está o nosso Dom Casmurro (1900): Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), seu último livro, pois morre nesse mesmo ano.

Toda essa obra está ligada ao estilo realista, embora seja correto reconhecer que um escritor da categoria ao estilo realista, embora seja correto reconhecer que um escritor da categoria de Machado de Assis não pode ficar preso às delimitações de um estilo de época.

Conforme observa Helen Caldwell, Dom Casmurro é "talvez o mais fino de todos os romances americanos de ambos os continentes" ("perhaps the finest of all American novels of either continent")

Construído em flash-back, o protagonista masculino (Dom Casmurro), já cinqüentão e solitário, tenta "atar as duas pontas da vida" (infância e velhice), contando a história de sua vida ao lado de Capitu, a qual acaba tomando conta do romance, dada a sua força e o seu mistério.


ENREDO DE DOM CASMURRO

A seguir, para que se possa acompanhar melhor a análise a que vamos proceder neste trabalho, transcrevemos aqui o enredo elaborado por Marisa Lajolo, em "Literatura comentada", da Abril Editora:

Dom Casmurro foi publicado em 1900 e é um dos romances mais conhecidos de Machado. Narra em primeira pessoa a estória de Bentinho que, por circunstância várias, vai se fechando em si mesmo e passa a ser conhecido como Dom Casmurro. Sua estória é a seguinte: Órfão de pai, criado com desvelo pela mãe (D. Glória), protegido do mundo pelo círculo doméstico e familiar (tia Justina, tio Cosme, José Dias), Bentinho é destinado à vida sacerdotal, em cumprimento a uma antiga promessa de sua mãe.

A vida do seminário, no entanto, não o atrai, já o namoro com Capitu, filha dos vizinhos. Apesar de comprometido pela promessa, também D. Glóri a sofre com a idéia de separar-se do filho único, interno no seminário. Por expediente de José Dias, o agregado da família, Bentinho abandona o seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo.

Correm os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o casamento, Bentinho se forma em Direito e estreita a sua amizade com um ex-colega de seminário, Escobar, que acaba se casando com Sancha, amiga de Capitu.

Do casamento de Bentinho e Capitu nasce Ezequiel. Escobar morre e, durante seu enterro, Bentinho julga estranha a forma qual Capitu contempla o cadáver. A partir daí, os ciúmes vão aumentando e precipita-se a crise. Á medida que cresce, Ezequiel se torna cada vez mais parecido com Escobar. Bentinho muito ciumento, chega a planejar o assassinato da esposa e do filho, seguido pelo seu suicídio, mas não tem coragem. A tragédia dilui-se na separação do casal.

Capitu viaja com o filho para a Europa, onde morre anos depois. Ezequiel, já mocó, volta ao Brasil para visitar o pai, que apenas constata a semelhança entre e antigo colega de seminário. Ezequiel volta a viajar e morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais fechado em usas dúvidas,  passa a ser chamado de casmurro pelos amigos e vizinhos e põe-se a escrever de sua vida (o romance).

ORGANIZAÇÃO / ESTRUTURA


1) Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa pelo protagonista  masculino que dá nome ao romance, já velho e solitário, desiludido e amargurado pela casmurrice, conforme lhe está no apelido. A visão, pois, que temos dos fatos é perpassada da sua ótica subjetiva e unilateral: "tudo que sabemos do seu passado, de seus amores, de Capitu, só o conhecemos do seu ângulo" - observa o Prof. Delson Gonçalves Ferreira em estudo sobre Dom Casmurro. Em conseqüência disso, paira dúvida sobre o adultério de Capitu - dúvida que não se tem dissipado ao longo dos anos.

2) O romance , como já observamos, é construído a partir de um flash-back, por um cinqüentão solitário e casmurro, "à la recherche de  temps perdu" ("à procura do tempo perdido"), o qual procura "atar as duas pontas da vida" ( infância e velhice). Perpassa. Pois, o romance uma atmosfera memorialista, dando a impressão de autobiografia, a qual, com o se sabe, não tem nada a ver com Machado de Assis.

3) O título do livro ("Dom Casmurro") reflete uma das características mais marcantes do protagonista masculino no crepúsculo da existência: a visão amarga e doída de quem foi traído e machucado pela vida, e, em conseqüência disso vai-se isolando e ensimesmando. "Não consultes dicionários, Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo" (Cap. I).

4) O romance se compõe de 148 capítulos curtos, com títulos bem precisos, que refletem o seu conteúdo. A narrativa vai lenta até o capítulo XCVII, a partir do qual se acelera, como declara o próprio narrador, ao dar-se conta da sua lentidão: "Agora não há mais que levá-la a grandes pernadas, capítulo sobre capítulo, pouca emenda, pouca reflexão, tudo em resumo. Já esta página vale por meses, outras valerão por anos, e assim chegares ao final" (Cap. XCVII).

5) Assim, pois, até o capítulo XCVII, quando o narrador sai do seminário, "com pouco mais de dezessete anos", focaliza-se, em câmera lenta, a infância e a adolescência, dada necessidade do narrador traçar o perfil dos protagonistas da estória (Bentinho e Capitu), revelando, desde as entranhas, o caráter e as tendências de cada um: afinal, o adulto sempre se assenta no pilar da infância, como insinua Dom Casmurro, no final da narrativa, ao referir-se a Capitu: "Se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca" (Cap. CXLVIII).

6) Quanto ao lugar em que decorre a ação, trata-se do Rio de Janeiro da época do Império: há inúmeras referências a lugares, ruas, bairros, praças, teatros, salões de baile que evocam essa cidade imperial. Por outro lado, há também ligeiras referências a São Paulo, onde foi estudar Direito o ex-seminarista Bentinho, e também à Europa onde morre Capitu, e mesmo aos lugares sagrados, onde morre Ezequiel (Jerusalém).

7) Cronologicamente falando, a narrativa decorre durante o segundo Império, detendo-se mais o autor na inicia pela razão exposta no item 5. Contudo, construído sob a forma de flash-back; “o que domina no livro não é esse tempo cronológico; é o psicológico, que se passa dentro das personagens, dentro da própria vida”, observa o Prof. Delson Gonçalves. Debruçado sobre a reconstrução da longínqua inicia de outrora, o solitário e magoado Dom Casmurro vai reconstituindo o “tempo perdido” de sua existência, filtrando os fatos sob sua ótica de cinqüentão amargurado, revivendo a vida subjacente, que jaz nas suas entranhas.



 
 Questões de vestibular

1.                  (FUVEST / GV) O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui.
É o que diz o narrador no segundo capítulo do romance Dom Casmurro. Afinal por que não teria ele alcançado o seu intento?

(A) Pelas dificuldades inerentes à estrutura do romance, na recuperação de outros tempos.
(B) Pelo receio de confessar suas fraquezas e a traição sofrida.
(C) Porque era impossível recuperar o sentido daquele período, pois ele já não era a mesma pessoa.
(D) Pela falta de bom senso e de clareza na apreensão das lembranças.
(E) Porque o tempo, impiedoso, apaga todos os acontecimentos e transforma as pessoas.


2. (UFL) Todas as alternativas apresentam informações sobre Dom Casmurro, de Machado de Assis, exceto:

(A) A questão do adultério, tratada de forma ambígua pelo autor, permanece em aberto no fim da narrativa.
(B) O narrador, através do exercício da memória, busca ligar o presente ao passado, a velhice à adolescência.
(C) O narrador protagonista, ao assumir a primeira pessoa, apresenta uma visão tendenciosa dos acontecimentos.
(D) O autor, introduzindo-se na narrativa, fornece ao leitor informações que contradizem as opiniões do narrador.
(E) A narrativa, marcada pela ironia, mantém uma relação intersexual com a tragédia Otelo, de Shakespeare.


3. (UFU-MG) Considere a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, e as afirmativas que se seguem:

I. Da Glória tentava impedir o casamento de Bentinho com Capitu, pois desejava que ele se unisse a Sancha.
II. Bento Santiago não teve problemas em homenagear o amigo Escobar, por ocasião de seu enterro, pois era seu melhor amigo.
III. A cena descrita no velório de Escobar (homens e mulheres chorando) é uma característica do Romantismo presente em todo o Dom Casmurro — obra que tem como tema os infelizes amores de Bentinho e Capitu.
IV. “Olhos de ressaca” — referência dada a Capitu — evidencia o seu poder de envolvimento e o grande fascínio que ela exerce sobre Bentinho, tal qual as vagas do mar.
V. Apesar da suspeita de adultério, o amor consegue superar a desconfiança fazendo com que Bentinho se reconcilie com a família de Capitu.

Assinale:

(A) Se apenas IV é correta.
(B) Se apenas I, II são corretas.
(C) Se apenas III e V são corretas.
(D) Se apenas V é correta.
(E) Nenhuma delas é correta.


4. (PUCCAMP-SP) O trecho abaixo é parte do último capítulo de Dom Casmurro, de Machado de Assis:

O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. I: “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.

Invocando aqui a memória e o testemunho do leitor de sua história, o narrador arremata a narrativa:

(A) lembrando que os ciúmes de Bentinho por Capitu poderiam perfeitamente ser injustificáveis.
(B) concluindo que a única explicação para a traição de Capitu é a força caprichosa de circunstâncias acidentais.
(C) citando uma passagem da Bíblia, à luz da qual acaba admitindo a possibilidade da inocência de Capitu.
(D) pretendendo que a personalidade de Capitu tenha se desenvolvido de modo a cumprir uma natural inclinação.
(E) se mostra reticente quanto à convicção de que fora traído, sugerindo que continuará ponderando os fatos.


5. (PUC-PR) Com base na leitura de Dom Casmurro, e considerando a importância de Machado de Assis para a literatura brasileira, identifique as alternativas como VERDADEIRAS ou FALSAS:

( ) Escrito quando o Realismo era a estética dominante, Dom Casmurro é antes um “romance filosófico” que um “romance social”.
( ) Ao contrário de diversas heroínas românticas, punidas com a morte por comportamentos inadequados para os padrões de sua época, a principal personagem feminina de Dom Casmurro não morre no final da narrativa.
( ) Ainda que acreditasse não ser pai de Ezequiel, Bento Santiago não deixou que isso interferisse na relação pai-filho, e sempre quis ter o rapaz muito perto de si.
( ) Assim como em Esaú e Jacó, a presença do Imperador e as referências à vida política brasileira são constantes em Dom Casmurro e interferem nos acontecimentos narrados.

A seqüência correta é:

(A) V, F, F, F
(B) F, F, F, V
(C) F, V, F, V
(D) V, V, V, F
(E) F, V, F, F

6. (UFPR) A propósito de Dom Casmurro, de Machado de Assis, é correto afirmar:

(A) A narrativa de Bento Santiago é comparável a uma acusação: aproveitando sua formação jurídica, o narrador pretende configurar a culpa de Capitu.
(B) O artifício narrativo usado é a forma de diário, de modo que o leitor receba as informações do narrador à medida que elas acontecem, mantendo-se assim a tensão.
(C) Elegendo a temática do adultério, o autor resgata o romantismo de seus primeiros romances, com personagens idealizadas entregues à paixão amorosa.
(D) O espaço geográfico e social representado é situado em uma província do Império, buscando demonstrar que as mazelas sociais não são prerrogativa da Corte.
(E) Bentinho desejava a morte de Escobar (até tentou envenená-lo uma vez), a ponto de se sentir culpado quando o ex-amigo morreu afogado.


7. (FUVEST) Podemos afirmar que na obra D. Casmurro, Machado de Assis:

(A) defende a tese de que o meio determina o homem porque descreve a personagem Capitu desde o início como uma futura adúltera.
(B) defende a tese determinista porque o meio em que Bentinho e Capitu vivem determina a futura tragédia.
(C) não defende a tese determinista, apontando antagonismo entre o meio e a tragédia final.
(D) defende a tese determinista ao demonstrar a influência da educação religiosa na formação de Capitu.
(E) não defende a tese determinista de modo explícito porque não fica clara a relação entre o meio e o fim trágico dos personagens.


8. (Conc. Federal) Machado de Assis, em Dom Casmurro, mostra Capitu como personagem de maior destaque. Bentinho nutria, em relação a ela, sentimentos de

(A) profunda admiração e respeito.
(B) amor desmedido.
(C) verdadeira veneração de ordem espiritual.
(D) ciúme exacerbado, raiando os limites de doença mental.
(E) nenhuma admiração ou respeito.


9. (UFPR) No segundo capítulo de Dom Casmurro, o narrador-personagem expõe as razões que o levaram a escrever suas memórias.
Relacionando esse capítulo com o romance, é correto afirmar que, ao procurar "atar as duas pontas da vida", Bentinho:

(A) obtém um relato lúcido e imparcial a respeito do seu passado, vencendo os preconceitos característicos da classe a que pertencia, uma vez que, tendo sido, ele mesmo, vítima de um universo social baseado na rigorosa autoridade paternal, pôde, ao final da vida, avaliar o preço alto da solidão.
(B) reconhece seu fracasso, apontando as lacunas de "um livro falho" próprio narrador que, apesar de todo o esforço empreendido para incriminar sua mulher, compromete a si mesmo, distorcendo as circunstâncias que o envolvem.
(C) reconcilia-se com o seu passado e consigo mesmo, mostrando-se arrependido por ter sido injusto e extremamente cruel, nos seus julgamentos e atitudes, em relação às pessoas que mais amara: não apenas diante de Capitu e Escobar, mas, principalmente, em relação a Ezequiel.
(D) convence o leitor de que Capitu foi de fato infiel. Os argumentos apresentados pelo narrador são suficientes para fundamentar as vagas impressões de um homem que, apesar de apegado aos valores tradicionais da família patriarcal brasileira do final do século XIX, compreende a independência de espírito de sua mulher.
(E) não consegue convencer o leitor de que Capitu é infiel. Os argumentos apresentados pelo narrador não são suficientes para fundamentar as vagas impressões de um homem que, apesar de apegado aos valores tradicionais da família patriarcal brasileira do final do século XIX, compreende a independência de espírito de sua mulher.


10. (PUC-Rio) A EXPOSIÇÃO RETROSPECTIVA

Já sabes que a minha alma, por mais lacerada que tenha sido, não ficou aí para um canto como uma flor lívida e solitária. Não lhe dei essa cor ou descor. Vivi o melhor que pude sem me faltarem amigas que me consolassem da primeira. Caprichos de pouca dura, é verdade. Elas é que me deixavam como pessoas que assistem a uma exposição retrospectiva, e, ou se fartam de vê-la, ou a luz da sala esmorece. Uma só dessas visitas tinha carro à porta e cocheiro de libré. As outras iam modestamente, calcante pede, e, se chovia, eu é que ia buscar um carro de praça, e as metia dentro, com grandes despedidas, e maiores recomendações.(...)

E BEM, E O RESTO?

Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, ver. 1: “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti.” Mas eu creio que não. E tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca. E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! (...)

O trecho em questão pertence à antológica obra de Machado de Assis:

(A) Memórias póstumas de Brás Cubas
(B) Dom Casmurro
(C) Memorial de Aires
(D) Quincas Borba
(E) Senhora

Gabarito
1 – C; 2-D; 3-A; 4- D; 5-A; 6-A; 7-E; 8-D; 9-B; 10-B

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A Jangada de Pedra - Trailler - Filme de George Sluizer

Só para ter uma pequena lembrança do que é a obra "A jangada de pedra" assistam ao trailler:

UMA LEITURA DO ROMANCE "A JANGADA DE PEDRA" DE JOSÉ SARAMAGO



Devalcir LEONARDO[1]

José Saramago, escritor português, procura compreender a história de seu país, porém sob outra perspectiva histórica, apresentando nas suas obras, até a publicação de O Evangelho segundo Jesus Cristo, uma profunda análise da história portuguesa. Para tanto, reconta a história oficial abatendo os mitos de heróis e os de uma pátria suprema e gloriosa, valendo-se das categorias narrativas na construção dos seus romances. Prioriza a criação de personagens que se identificam com o povo simples e que ganham sentido e voz para refletir a coletividade. Esta nova técnica de narrar observada nas obras de Saramago despertou e tem despertado nos leitores um estranhamento, e por que não dizer uma certa dificuldade no entendimento das complexas alegorias presentes e uma linguagem inovadora  e irônica, que atribui um novo sentido à História de Portugal.
            No romance A Jangada de Pedra, objeto de nossa leitura, as personagens são constituídas de poderes sobrenaturais. A dona de casa Joana Carda é possuidora de uma vara de negrilho e com a qual poderia riscar o chão e traçar uma fronteira entre ela e o mundo. A partir desse risco, os cães que não tinham capacidade de latir passariam a fazê-lo. Outro personagem que se destaca é o farmacêutico espanhol Pedro Orce, que sente a terra tremer sem que os sismógrafos pudessem registrar algum acontecimento. O professor de português das “primeiras letras” José Anaiço que passou a ser seguido, misteriosamente, por um bando de pássaros; Joaquim Sassa, empregado de um escritório, que em férias, lança ao mar uma pesada pedra que começa a subir e a descer sobre a água até mergulhar definidamente. Completa essa galeria Maria Guavaira, uma senhora viúva e proprietária rural, desfiando uma meia de lã, cujo fio nunca chega ao final e a presença de um imenso e mudo cão que tem um pedaço desse fio de lã caindo de sua boca.
            Todos esses personagens e acontecimentos constituem-se uma grande alegoria na compreensão e desenvolvimento da misteriosa ruptura dos Pirineus, que levou a Península Ibérica (Portugal e Espanha) à deriva pelo Oceano Atlântico, imaginando-a uma grande jangada de pedra sem rumo e sem identidade.
            Saramago apresenta em A Jangada de Pedra um discurso irônico, revestido de alegoria, será a base de esse outro olhar, apresentando uma Europa acéfala, quando a Península Ibérica se soltou do continente europeu. Vejamos o fragmento que confirma a nossa leitura:


Então, a Península Ibérica moveu-se um pouco mais, um metro, dois metros, a experimentar as forças [...]. Houve depois uma pausa, sentiu-se passar nos ares um grande sopro, como a primeira respiração profunda de quem acorda, e a massa de pedra e terra, coberta de cidades, aldeias, rios, bosques, fábricas, matos bravios, campos cultivados, com a sua gente e os seus animais, começou a mover-se, a barca que se afasta do porto e aponta ao mar outra vez desconhecido (SARAMAGO, 2002, p. 43).


O narrador de A Jangada de Pedra reflete com pessimismo sobre o futuro da Península Ibérica, no momento em que os quatros viajantes retornam para suas casas, cansados de tanto vagar pelo seu país, sem um porto seguro. Descreve, no final do livro, as incertezas do futuro:

A península parou [...]. A viagem continua. Roque Lozano ficará em Zufre, irá bater à porta de sua casa, Voltei, e a sua história,  alguém há-de querer contá-la um dia. Os homens e as mulheres, estes, seguirão o seu caminho, de futuro, que tempo, que destino. A vara de negrilho está verde, talvez floresça no ano que vem (SARAMAGO, 2002, p. 317).

               
            Terminada a história sob a visão pessimista do narrador, mas que antevê uma possibilidade de esperança, ao referir-se à vara de negrilho: A vara de negrilho está verde, talvez floresça no ano que vem, ou seja, a vara de negrilho florescendo, possivelmente a quantidade de varas aumentará, o povo poderá riscar o chão e começar tudo novamente. Vale ressaltar que a simbologia de riscar o chão marca o rompimento do Pirineus. Ao concluir, alerta que o destino da Península Ibérica dependerá de seu povo.
A esperança que surge com a vara de negrilho e o nascimento de uma nova geração, pois em certa altura da narrativa de A Jangada de Pedra todas as mulheres que estavam em condição de física ficam grávidas, revelando mais uma alegoria do romance, neste caso, tanto em Portugal como em Espanha teriam como herói o seu próprio povo, superando o individualismo e reforçando os laços de solidariedade da entre os povos.
A história portuguesa é constituída a partir de vários mitos, o mais marcante é o mito do sebastianismo (Dom Sebastião foi um rei jovem que morreu lutando nas cruzadas, seu corpo nunca foi encontrado, o povo português sempre esperava sua volta, para restaurar o poder de Portugal diante do mundo) em  A Jangada de Pedra, a função do sebastianismo se caracteriza pela busca da identidade da nação e pelo resgate da soberania, uma vez que o narrador apresenta uma crítica contundente ao governo português,  na visão de Saramago, os governos só apresentam eficácia e lideranças, no momento em que todas as suas capacidades de governar não são exigidas. Configura-se no trecho:

A notícia de que a península se precipita à velocidade de dois quilometras por hora em direção aos Açores foi aproveitada pelo governo português para apresentar a demissão, com fundamento na evidente gravidade da conjuntura e no perigo colectivo iminente, o que permite pensar que os governos s só são capazes e eficazes nos momentos em que não haja razões fortes para exigir tudo da sua capacidade (SARAMAGO, 1982, p. 2000).


            Para entendermos toda a alegoria criada pelos autores, faz-se necessário ter conhecimento de Portugal e da Espanha, submetidos à União Européia. Segundo Walter Praxedes, seu estudo, Saramago critica duramente este tipo  de organização que exclui os países pobres. Esclarece-nos o autor:

 Se os heróis dos romances de Saramago são os excluídos da História, Portugal e a Península Ibérica foram igualmente excluídos da História européia, que foi durante muito tempo a História e ponto final, pelo menos para o etnocentrismo europeu (RIVAS, 1998, apud PRAXESDES, 2001, 74)


No romance A Jangada de Pedra o discurso irônico apresenta um crítica social constante, consubstanciada nos personagens, que também apresentam uma matriz do sebastianismo, mas para Saramago, as mudanças virão, a partir da organização popular. Trata-se da identidade construída com base sólida na solidariedade, no respeito às diferenças e nas esperanças imorredoura de que o destino de um povo depende do próprio povo.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

PRAXEDES, W. L. A Elucidação pedagógica, história e identidade nos romances de José Saramago. 2001. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.  

SARAMAGO, José. A Jangada de Pedra. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999.



[1] Mestre em Letras: estudos literários, artigo adaptado para uma preparação para o vestibular da Fecilcam 2011.  

Conteúdo Vestibular Fecilcam - Português e Literatura



LINGUA PORTUGUESA

1. Compreensão e interpretação de textos verbais e não-verbais;
2. Funções da linguagem;
3. Análise de fatos lingüísticos em diferentes contextos de uso;
4. Aspectos polifônicos da linguagem: argumentação, pressupostos, implícitos;
5. Aspectos argumentativos / discursivos da subordinação e coordenação;
6. Análise do funcionamento verbal na constituição do sentido;
7. Aspectos morfológicos do substantivo, adjetivo, pronome e numeral e seus efeitos textual / discursivos;
8. Gêneros discursivos/ textuais: função social / tema / estilo;
9. Recursos lingüísticos para a produção de sentido(s) no texto: coesão, coerência, intertextualidade, argumentatividade e outros.



LITERATURAS DA LÍNGUA PORTUGUESA

Gêneros literários
Estilos de época
Literatura Paranaense
Obras literárias indicadas:

3. ROMANCES 
 
3.1 A jangada de pedra  - José Saramago
3.2 D. Casmurro  - Machado de Assis
3.3 Senhora   - José de Alencar
3.4 O cortiço - Aluísio de Azevedo
3.5 Triste fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto
3.6 Uma vida em segredo - Autran Dourado
3.7 São Bernardo - Graciliano Ramos


4. CONTOS
 
4.1 Contos brasileiros 2 - Coleção para gostar de ler - volume 9.
4.2 Cemitério de elefantes - Dalton Trevisan
 
5. POESIAS
 
5.1 Os melhores poemas de Mário Quintana
5.2 A duração do dia -  Adélia Prado
5.3 A rosa do povo - Carlos Drummond de Andrade
5.4 Os Lusíadas - Canto V  - Luís Vaz de Camões
5.5 Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto
 
6. TEATRO
 
6.1 O rei da vela - Oswald de Andrade

  *  A lista de autores e obras, constante do programa a título de sugestão, não impede que outros autores e obras significativas das Literaturas Brasileira e Portuguesa sejam solicitadas nas provas.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O parágrafo-chave: 18 formas para você começar um texto

Essa dica são fundamentais para inciar um texto. O professor Antonio Carlos Viana  aponta caminhos  para  um bom desenvolvimento de um parágrafo, confiram.

 

O parágrafo-chave: 18 formas para você começar um texto


Ao escrever seu primeiro parágrafo, você pode fazê-lo de forma criativa. Ele deve atrair a atenção do leitor. Por isso, evite os lugares-comuns como: atualmente, hoje em dia, desde épocas remotas, o mundo de hoje, a cada dia que passa, no mundo em que vivemos, na atualidade.
Listamos aqui dezoito formas de começar um texto. Elas vão das mais simples as mais complexas.

 

1. Uma declaração (tema: liberação da maconha)


É um grave erro a liberação da maconha. Provocará de imediato violenta elevação do consumo. O Estado perderá o precário controle que ainda exerce sobre as drogas psicotrópicas e nossas instituições de recuperação de viciados não terão estrutura suficiente para atender à demanda.

A declaração é a forma mais comum de começar um texto. Procure fazer uma declaração forte, capaz de surpreender o leitor.

 

2. Divisão (tema: exclusão social)


Predominam ainda no Brasil duas convicções errôneas sobre o problema da exclusão social: a de que ela deve ser enfrentada apenas pelo poder público e a de que sua superação envolve muitos recursos e esforços extraordinários. Experiências relatadas nesta Folha mostram que o combate à marginalidade social em Nova Yorkv em contando com intensivos esforços do poder público e ampla participação da iniciativa privada.

Ao dizer que há duas convicções errôneas, fica logo clara a direção que o parágrafo vai tomar. O autor terá de explicitá-lo na frase seguinte.

 

3.Definição (tema: o mito)


O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda reflexão e não-crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana.

A definição é uma forma simples e muito usada em parágrafos-chave, sobretudo em textos dissertativos. Pode ocupar só a primeira frase ou todo o primeiro parágrafo.

4. Uma pergunta (tema: a saúde no Brasil)

Será que é com novos impostos que a saúde melhorará no Brasil? Os contribuintes já estão cansados de tirar dinheiro do bolso para tapar um buraco que parece não ter fim. A cada ano, somos lesados por novos impostos para alimentar um sistema que só parece piorar.

A pergunta não é respondida de imediato. Ela serve para despertar a atenção do leitor para o tema e será respondida ao longo da argumentação.

 

5. Comparação (tema: reforma agrária)


O tema da reforma agrária está presente há bastante tempo nas discussões sobre os problemas mais graves que afetam o Brasil. Numa comparação entre o movimento pela abolição da escravidão no Brasil, no final do século passado e, atualmente, o movimento pela reforma agrária, podemos perceber algumas semelhanças. Como na época da abolição da escravidão existiam elementos favoráveis e contrários a ela, também hoje há os que são a favor e os que são contra a implantação da reforma agrária.

Para introduzir o tema da reforma agrária, o autor comparou a sociedade de hoje com a do final do século XIX, mostrando a semelhança de comportamento entre elas.

 

6. Oposição (tema: a educação no Brasil)


De um lado, professores mal pagos, desestimulados, esquecidos pelo governo. De outro, gastos excessivos com computadores, antenas parabólicas, aparelhos de videocassete. É este o paradoxo que vive hoje a educação no Brasil.
As duas primeiras frases criam uma oposição (de um lado / de outro) que estabelecerá o rumo da argumentação. Também se pode criar uma oposição dentro da frase, como neste exemplo:
Vários motivos me levaram a este livro. Dois se destacam pelo grau de envolvimento: raiva e esperança. Explico-me: raiva por ver o quanto a cultura ainda é vista como artigo supérfluo em nossa terra; esperança por observar quantos movimentos culturais têm acontecido em nossa história, e quase sempre como forma de resistência e/ou transformações.(...)
O autor estabelece a oposição e logo depois explica os termos que a compõem.

 

7. Alusão histórica (tema: globalização)


Após a queda do muro de Berlim, acabaram-se os antagonismos lesteoeste e o mundo parece ter aberto de vez as portas para a globalização. As fronteiras foram derrubadas e a economia entrou em rota acelerada de competição.

O conhecimento dos principais fatos históricos ajuda a iniciar um texto. O leitor é situado no tempo e pode ter uma melhor dimensão do problema.

 

8. Uma frase nominal seguida de explicação (tema: a educação no Brasil)


Uma tragédia. Essa é a conclusão da própria Secretaria de Avaliação e Informação Educacional do Ministério da Educação e Cultura sobre o desempenho dos alunos do 3º ano do 2º grau submetidos ao Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que ainda avaliou estudantes em todas as regiões do território nacional.

A palavra tragédia é explicada logo depois, retomada por essa é a conclusão.

 

9. Adjetivação (tema: a educação no Brasil)

Equivocada e pouco racional. Esta é a verdadeira adjetivação para a política educacional do governo.

A adjetivação inicial será a base para desenvolver o tema. O autor dirá, nos parágrafos seguintes, por que acha a política educacional do governo equivocada e pouco racional.

 

10. Citação (tema: política demográfica)


"As pessoas chegam ao ponto de uma criança morrer e os pais não chorarem mais, trazerem a criança, jogarem num bolo de mortos, virarem as costas e irem embora". O comentário do fotógrafo Sebastião Salgado, falando sobre o que viu em Ruanda, é um acicate no estado de letargia ética que domina algumas nações do Primeiro Mundo.

A citação inicial facilita a continuidade do texto, pois ela é retomada pela palavra comentário da segunda frase.

 

11. Citação de forma indireta (tema: consumismo)


Para Marx a religião é o ópio do povo Raymond Aron deu o troco: o marxismo é o ópio dos intelectuais. Mas nos Estados Unidos o ópio do povo é mesmo ir às compras. Como as modas americanas são contagiosas, é bom ver de que se trata.

Esse recurso deve ser usado quando não sabemos textualmente a citação. É melhor citar de forma indireta que de forma errada

 

12. Exposição de ponto de vista (tema: o provão)


O ministro da Educação se esforça para convencer de que o provão é fundamental para a melhoria da qualidade do ensino superior. Para isso, vem ocupando generosos espaços na mídia e fazendo milionária campanha publicitária, ensinando como gastar mal o dinheiro que deveria ser investido na educação


Ao começar o texto com a opinião contrária, delineia-se, de imediato, qual a posição dos autores. Seu objetivo será refutar os argumentos do opositor, numa espécie de contra-argumentação.

 

13. Retomada de um provérbio (tema: mídia e tecnologia)


O corriqueiro adágio de que o pior cego é o que não quer ver se aplica com perfeição na análise sobre o atual estágio da mídia: desconhecer ou tentar ignorar os incríveis avanços tecnológicos de nossos dias, e supor que eles não terão reflexos profundos no futuro dos jornais é simplesmente impossível.

Sempre que você usar esse recurso, não escreva o provérbio simplesmente. Faça um comentário sobre ele para quebrar a idéia de lugar-comum que todos eles trazem. No exemplo acima, o autor diz "o corriqueiro adágio" e assim demonstra que está consciente de que está partindo de algo por demais conhecido.

 

14. Ilustração (tema: aborto)


O Jornal do Comércio, de Manaus, publicou um anúncio em que uma jovem de dezoito anos, já mãe de duas filhas, dizia estar grávida mas não queria a criança. Ela a entregaria a quem se dispusesse a pagar sua ligação de trompas. Preferia dar o filho a ter que fazer um aborto.
O tema é tabu no Brasil.(...)

Você pode começar narrando uma fato para ilustrar o tema. Veja que a coesão do parágrafo seguinte se faz de forma fácil; a palavra tema retoma a questão que vai ser discutida.

 

15. Uma seqüência de frases nominais (frases sem verbo) (tema: a impunidade no Brasil)


Desabamento de shopping em Osasco. Morte de velhinhos numa clínica do Rio. Meia centena de mortes numa clínica de hemodiálise em Caruaru. Chacina de sem-terra em Eldorado dos Carajás.
Muitos meses já se passaram e esses fatos continuam impunes.

O que se deve observar nesse tipo de introdução são os paralelismos que dão equilíbrio às diversas frases nominais. A estrutura de cada frase deve ser semelhante.

 

16. Alusão a um romance, um conto, um poema, um filme (tema: a intolerância)



Quem assistiu ao filme A rainha Margot, com a deslumbrante Isabelle Adjani, ainda deve ter os fatos vivos na memória. Na madrugada de 24 de agosto de 1572, as tropas do rei de França, sob ordens de Catarina de Médicis, a rainha-mãe e verdadeira governante, desencadearam uma das mais tenebrosas carnificinas da História.(...)
Desse horror a História do Brasil está praticamente livre(...)

O resumo do filme A rainha Margot serve de introdução para desenvolver o tema da intolerância religiosa. A coesão com o segundo parágrafo dá-se através da palavra horror, que sintetiza o enredo do filme contado no parágrafo inicial.

 

17. Descrição de um fato de forma cinematográfica (tema: violência urbana)


Madrugada de 11 de agosto. Moema, bairro paulistano de classe média. Choperia Bodega - um bar da moda, freqüentado por jovens bem-nascidos.
Um assalto. Cinco ladrões. Todos truculentos. Duas pessoas mortas: Adriana Ciola, 23, e José Renato Tahan, 25. Ela, estudante. Ele, dentista.

O parágrafo é desenvolvido por flashes, o que dá agilidade ao texto e prende a atenção do leitor. Depois desses dois parágrafos, o autor fala da origem do movimento "Reage São Paulo".

 

18. Omissão de dados identificadores (tema: ética)


Mas o que significa, afinal, esta palavra, que virou bandeira da juventude? Com certeza não é algo que se refira somente à política ou às grandes decisões do Brasil e do mundo. Segundo Tarcísio Padilha, ética é um estudo filosófico da ação e da conduta humanas cujos valores provêm da própria natureza do homem e se adaptam às mudanças da história e da sociedade.

As duas primeiras frases criam no leitor certa expectativa em relação ao tema que se mantém em suspenso até a terceira frase. Pode-se também construir todo o primeiro parágrafo omitindo o tema, esclarecendo-o apenas no parágrafo seguinte.